Thursday, August 23, 2007

FORÇA DA GRAVIDADE

Morou boa parte de sua vida em um savana até o dia em quê o mestre de cerimônias foi ao seu encontro.
Ganhou treinador, uma boa porção diária de amendoins e uma bela sainha rosa.
Quando caminha pela corda-bamba, para enfrentar o medo, costuma buscar o rosto encantado da primeira criança:
"- Mãe, mãe! Não é possível! Ele é mesmo um elefante"?

Monday, August 20, 2007

NARCISA

A menina corre pelo parque acompanhando o seu arco-íris de brinquedo.
Por uma ladeira, por um declive, pulando galhos.
Corre, corre, corre e o sorriso chega a lhe doer a face.
Subitamente, ela pára e entende o que significa medo.
A bolinha faz "plof" no ar e o seu rosto fica coberto por detergente.
No lago, ela chora e se lava.
O reflexo do sol ressuscita o encantamento.
"Lá está você"!
Ela mergulha.

PARTIDA

Eram quatorze meninos jogando na várzea, mas só um deles foi o autor da janela quebrada.
Diante do proprietário enfurecido, eram todos cúmplices e autores do gol mais violento da temporada.
Deu empate.

PLANO DE CARREIRA

Lê no Menu: "espumante, encorpado e refrescante".
De imediato descobre o quê escrever no currículo.

Saturday, July 28, 2007

QUEM É DO MAR NÃO SE ENGANA


Esse conto foi escrito para o "Contos do Rio", o tema era o mar. Meu prêmio foi esse texto que segue abaixo:

Escreve na carta que envia à mãe: “Olá , Dona Jussara. Como anda a vida? A minha vai bem, obrigado pelas preces. Agora sou carioca de verdade: ganhei camiseta de time. E, ainda por cima, autografada! Não te disse que isso um dia ia acontecer? Pois bem, agora pode contar para todo mundo.”
Na carteira de identidade, o sobrenome que afirma o país de berço; assim como muitos brasileiros, Silva. Para reafirmar, Pereira. Vive de vender melancia na praia. Todo dia acorda cedo, toma uma média e pega o ônibus em direção a Zona Sul. Chega na Praia de Copacabana por volta das nove da manhã.
Lá encontra os companheiros de repartição: a galera que aluga cadeiras de praia, o pessoal do vôlei, o homem que vive de recolher objetos do mar e o povo estranho que fala de um jeito mais estranho ainda.
No calçadão, o lado moderno da praia: quiosques tinindo de novos, com janela de vidro, banheiro químico e pia que jorra água em quantidades dosadas automaticamente. Coisa de primeiro mundo, rapaz! “Como esse povo come, mãe! Tem gente vendendo esfiha, abacaxi, camarão frito, empada... Você não faz idéia! Tem um cara lá em Ipanema que ficou famoso vendendo sacolé, veja só!”
Chegou na cidade carioca há cinco anos. Tinha o sonho desde menino, de ver o tal mar, grande e atrevido que só ele, como lhe contava o avô. Guardou os tostões durante um bom tempo com esse objetivo. Foram sete anos, três meses e dezessete dias. Veio sozinho, de ônibus. A mãe, que já era viúva, deu adeus enquanto chorava e acenava com um lencinho mais puído que a própria alma: “Não se esqueça de escrever!”.
Não sabia como ia sobreviver na cidade grande. De fome, já sabia que não morria. Não fez que nem um bando de gente, que guarda o dinheiro que sobra. Isso é luxo. Ele conhecia a necessidade. Usou foi o que era para comer: “que o seu prato esteja sempre cheio, Jussara, que eu me alimento é de sonho! E ainda não criaram prato que enche mais que esse”.
Foi chegar ao Rio e ter a mala roubada. Esperto, aprendeu que na cidade grande a lei da selva é ainda mais brava: o predador, sem oportunidades na terra dos arranha-céus, fareja a presa quando ela ainda está no meio do caminho. O moço na saída da rodoviária deu o conselho que ele nunca mais esqueceu: “Não dê uma de otário, meu irmão”.
Com o dinheiro que tinha no bolso seguiu para a praia. “Que se dane o resto que eu quero ver quem é maior e mais petulante: eu ou esse tal de mar”. Ganhou o mar, e de lavada. Se estranhou foi com a areia, clara e fina que grudava na roupa, no cabelo, na pele e no pensamento. Passou a manhã. Passou a tarde. E anoiteceu. Com os olhos ainda aguados de felicidade, pensou: “e agora, rapaz?”.
Dormiu na calçada de uma ruazinha mal-iluminada e fedida que só, escondido da PM, depois de ser expulso do calçadão - “circulando, circulando”. Uma moça, dessas que existem em todo o lugar, que tem fama de ter a vida fácil, é que deu a dica. O sol o despertou, com a força da realidade. Perdido de amor por aquele oceano todo, entendeu o quê o avô quis dizer com o atrevido: ninguém tem direito a toda aquela boniteza de graça, é o preço que a vida cobra.
Fez alguns bicos, carregou cargas, limpou chão de prédio de madame, conheceu um monte de gente que, nem ele, veio para conhecer e nunca mais voltou depois de ver a aguaceira bela. Mesmo assim, não se dava por satisfeito: “ele me chama, Jussara, ele me chama. É de dia, é de noite. Toda a hora, ele tá me desafiando, parece que ele diz: veio de tão longe para trabalhar em terra! Rapaz tolo e covarde!”.
Passou o final de semana todinho tentando encontrar a solução, andou no calçadão, sentou na Orla e por lá ficou por muito tempo. Do outro lado, o tinhoso sorria que só: “Duvido, duvido, duvido”. E ele do lado de cá, queimando a cachola que só ele e nada de solução. Só lá pela hora do almoço de domingo é que veio o sopro divino: botou tabuleiro na cabeça, arranjou um facão e fatiou melancias: “Você não me leva, mas eu te levo! Essa danada tem tanta água que nem você, rapaz!”.
Desde aquele dia, é ele e a fruta na batalha contra o mar. Ele perde sempre, feliz – “Ô Jussara, diz para a tia parar com essa baboseira de fazer promessa! Eu já disse que não vou mergulhar! Se ela tá tão incomodada, ela que venha também. E vai que esse bendito me engole?”.

Wednesday, July 04, 2007

DORMINDO...

Eu te dou um ano. Só um ano. Me conte uma nova estória.
Lembre de ontem. Os nossos sonhos de ontem. Não são os de hoje.
(E ontem só tem 4 horas...).
Olho no espelho.
Não conheço meus sonhos de ontem.
Nem melhores nem piores.
- Quem é aquela pessoa no ontem?
- Tenho tanto orgulho dela....
Honra.
- Há alguém que tenha honra nos dias de hoje?
Ontem eram dias de sonhos.
Hoje são dias de esperança.
Penso:
- Ainda estamos no lucro.
Diálogos em sonho.
Quais serão os nossos sonhos de amanhã?
- Será que temos Direito?
- Eu nunca me lembro de ter sonhado.
- E pesadelo? Você já teve?
- Um monte. De te deixar com calafrios.
- Sabe o quê que eu quero? Eu quero é ser artista!
- Profissional?
- É!
- Ferrou!
Dizem que nossos sonhos são pequenos perto do quê temos para viver...
- Será que é verdade?
- Ih.... Tudo que eu quero é um final de semana em Paraty...
- Que venha a Europa!
Não me reconheço no espelho.
Eu escrevi no diário, no rascunho, no papel.
- Ah, era sonho.
- É....
- Faz bem...
- Quem é aquela pessoa de ontem?
- Feitiço.
- Ontem! Um ano! Certinho.
- Dois empregos. Solteirice. Brigando por nada...
- Hoje. Um emprego. Brigando por tudo.
- É... Quem é você?
-Só se me levar contigo.
Sonho.
Não te vejo...
- Quem é você?
Exatamente um ano.
E te dou tudo.

Tuesday, February 13, 2007

CARNAVAL

A melhor fantasia de todos os tempos não havia sido alugada porque ninguém tinha coragem suficiente para usá-la. Ela ficava esquecida em um canto da loja aguardando o cliente certo na hora certa.

A melhor fantasia de todos os tempos não se fez de rogada em meio a colombinas, Cleópatras, bailarinas e odaliscas que iam e vinham no corredor da loja: ela mantinha a postura diante de todos os clientes com uma segurança e fé inabaláveis, como o manda o figurino de uma real fantasia.

A melhor fantasia de todos os tempos cheirava sempre a amaciante novo, era macia como algodão em pacote.

Um belo dia, alguém viu a melhor fantasia de todos os tempos e se apaixonou de tal forma que não conseguiu deixá-la no cabideiro da loja: teve de comprá-la.

Desde esse dia, a melhor fantasia de todos os tempos serve de roupa para seu dono no cotidiano.

E é assim que se vai...

ARQUITETURA

O modelo de madeira é um rapaz bem engraçado,
que te olha como quem diz:
"Duvido que você faça melhor".

Ele dança salsa, merengue e mambo,
mas, quando quer ser esnobe mesmo é que baila o tcha-tcha-tcha.

Ele se orgulha das suas medalhas ganhas a custo de muito suor
e de manhãs calorosas passadas pela organização no Saara.

Aquilo por que mais tem amor
são as suas roupas feitas por encomenda a pessoas que, assim como ele,
vêem beleza em tons de dourado, vermelho e preto com sapatos de verniz
em dias de verão carioca.

O dançarino de madeira dança sempre como quem diz:
"- Duvido que você faça melhor"
e prova para todos nós que o único consolo que nos resta
é o traço de seu baile no papel.

Monday, January 08, 2007

CLASSIFICADOS

Moreno, 26 anos, estável. Procura moça intergalática que não tenha mania de limpeza. Favor enviar e-mail por carta. Não aceitamos contatos às quintas-feiras. Permitimos todos os cartões, exceto os de crédito. Não é um happy end, mas daremos o nosso melhor, obrigado.

DE COMO EU CONTINUO A NÃO ACREDITAR NAS COISAS

Mais uma vez, enviei minha cartinha ao Papai Noel.

Dessa vez, ele me deu uma casa.

Chego à conclusão de que Papai Noel, pessoa com certa idade, tem sérios problemas na vista.

Pobre bom velhinho...

EM 2007, ASSIM COMO NOS OUTROS ANOS

Entrevista com Damus:

(O Editor optou por utilizar as anotações do repórter, sem cortes. O repórter, por sua vez, aceitou, porque emprego está difícil esses dias.)

- Anote aí, está comprovado: nenhum astro quer a autoria desse ano; nem os astros do céu, nem os da Terra.
_ Os da Terra?
- Sim, os da Terra, desses que vocês colocam nas capas das revistas e que passam a seguir como se fossem deuses. Pois bem, nenhum dos astros desejou a autoria desse ano. Ou seja, o ano é dos homens!
- E isso é bom ou é ruim?
- Isso é bom e ruim. O que não é bom, e nem ruim. E nem ruim, nem bom.
- Tá. Alguma boa previsão, então, para começar?
- Sim, claro! Muitos nascerão, muitos irão amar pela primeira vez, outros, irão perder pela primeira vez, assim como outros, irão ganhar pela primeira vez! No entanto, alguns serão tão otimistas que irão tirar algum proveito disso, outros, por sua vez, irão se trancafiar a noite toda em seus quartos chorando como se não houvesse mais saída. Com alguma sorte - apesar d'eu não acreditar nessa ladainha de sorte, hehehe - eles irão levantar a cabeça, suspirar, seguir o seu dia com esperança - nessa sim, eu acredito - e fazer algo de produtivo e com alma disso tudo. De outra forma, bem... De outra forma, não. Mas, é lógico que eu fico triste quando algo disso acontece, e vemos tanta energia desperdiçada...
- Tá. E quanto às previsões ruins?
- Os percevejos, as baratas e os mosquitos continuarão andando livremente pelo mundo. Deus é um sujeito bem sacana, com o perdão da palavra - embora eu também não acredite nele, diga-se de passagem. Mas, com alguma sorte - olha ela novamente! - inventarão um inseticida decente.
- Tá...

(Silêncio perturbador)

- O Senhor tem alguma coisa a acrescentar? Alguma coisa que eu esqueci de perguntar e que considere interessante?
- Sim! Sobre você!
- O quê que tem eu?
- Você, assim como nos demais anos, continuará sem dinheiro nenhum, meu caro.

(Silêncio pertubador mais uma vez)

- Bem, obrigado pela entrevista.
- Não há de quê, meu querido. Estamos aí para servir.

(P.S. do repórter: Damus tem o sorriso mais cretino que já vi em toda a minha vida!)

FAZENDO AS PAZES

O escondido bate à porta:
- Vim exigir a minha fatia. Tudo muito bonito, tudo correndo bem... Mas eu tenho memória boa e hoje fazem dez anos... não é verdade?
- Sim, sim, é verdade.
- Pois bem. Eu me lembro de você chorando, a menor de todas na Avenida, assim como me lembro das promessas naquele fim de tarde. O tempo é o mais irônico de todos, não é verdade?
Ele nos embriaga, tudo vai ficando tão distante, perdendo a importância, mas eu me lembro, eu assisto como se tivesse sido hoje, eu me lembro... bem, eu me lembro que você sentiu, e sentiu forte, pesado, cru, não é verdade?
- Tudo certo.
- Era eu, você sabia?
- ?
- Pois era eu. E, para ser sincero, não gosto nada da roupagem que você me deu. De ficar escondido de, na maioria das vezes, não poder ter voz. Vamos fazer um acordo?
- Diga, quem sabe...
- Você me deixa falar?
- Você promete que se comporta?
- Você promete que não me regula?
- ...
- Ora, vamos, eu sou educado...
- ...
- Ora, vamos, eu também tenho direito à minha parcela de ganho...
- Tá bom, mas não faça com que eu me arrepende...
- Me dê sua mão. Agora, vamos juntos, e de frente.
- Tudo bem se eu sentir um certo medo?
- Me surpreenderia se não fosse assim. Aliás, eu não me interessaria se não fosse assim.
- Bem, então... vamos!
- Vamos!
E se passaram dez anos em um segundo.
O frio na espinha, até o momento, é a melhor sensação de toda uma existência.