Esse conto foi escrito para o "Contos do Rio", o tema era o mar. Meu prêmio foi esse texto que segue abaixo:
Escreve na carta que envia à mãe: “Olá , Dona Jussara. Como anda a vida? A minha vai bem, obrigado pelas preces. Agora sou carioca de verdade: ganhei camiseta de time. E, ainda por cima, autografada! Não te disse que isso um dia ia acontecer? Pois bem, agora pode contar para todo mundo.”
Na carteira de identidade, o sobrenome que afirma o país de berço; assim como muitos brasileiros, Silva. Para reafirmar, Pereira. Vive de vender melancia na praia. Todo dia acorda cedo, toma uma média e pega o ônibus em direção a Zona Sul. Chega na Praia de Copacabana por volta das nove da manhã.
Lá encontra os companheiros de repartição: a galera que aluga cadeiras de praia, o pessoal do vôlei, o homem que vive de recolher objetos do mar e o povo estranho que fala de um jeito mais estranho ainda.
No calçadão, o lado moderno da praia: quiosques tinindo de novos, com janela de vidro, banheiro químico e pia que jorra água em quantidades dosadas automaticamente. Coisa de primeiro mundo, rapaz! “Como esse povo come, mãe! Tem gente vendendo esfiha, abacaxi, camarão frito, empada... Você não faz idéia! Tem um cara lá em Ipanema que ficou famoso vendendo sacolé, veja só!”
Chegou na cidade carioca há cinco anos. Tinha o sonho desde menino, de ver o tal mar, grande e atrevido que só ele, como lhe contava o avô. Guardou os tostões durante um bom tempo com esse objetivo. Foram sete anos, três meses e dezessete dias. Veio sozinho, de ônibus. A mãe, que já era viúva, deu adeus enquanto chorava e acenava com um lencinho mais puído que a própria alma: “Não se esqueça de escrever!”.
Não sabia como ia sobreviver na cidade grande. De fome, já sabia que não morria. Não fez que nem um bando de gente, que guarda o dinheiro que sobra. Isso é luxo. Ele conhecia a necessidade. Usou foi o que era para comer: “que o seu prato esteja sempre cheio, Jussara, que eu me alimento é de sonho! E ainda não criaram prato que enche mais que esse”.
Foi chegar ao Rio e ter a mala roubada. Esperto, aprendeu que na cidade grande a lei da selva é ainda mais brava: o predador, sem oportunidades na terra dos arranha-céus, fareja a presa quando ela ainda está no meio do caminho. O moço na saída da rodoviária deu o conselho que ele nunca mais esqueceu: “Não dê uma de otário, meu irmão”.
Com o dinheiro que tinha no bolso seguiu para a praia. “Que se dane o resto que eu quero ver quem é maior e mais petulante: eu ou esse tal de mar”. Ganhou o mar, e de lavada. Se estranhou foi com a areia, clara e fina que grudava na roupa, no cabelo, na pele e no pensamento. Passou a manhã. Passou a tarde. E anoiteceu. Com os olhos ainda aguados de felicidade, pensou: “e agora, rapaz?”.
Dormiu na calçada de uma ruazinha mal-iluminada e fedida que só, escondido da PM, depois de ser expulso do calçadão - “circulando, circulando”. Uma moça, dessas que existem em todo o lugar, que tem fama de ter a vida fácil, é que deu a dica. O sol o despertou, com a força da realidade. Perdido de amor por aquele oceano todo, entendeu o quê o avô quis dizer com o atrevido: ninguém tem direito a toda aquela boniteza de graça, é o preço que a vida cobra.
Fez alguns bicos, carregou cargas, limpou chão de prédio de madame, conheceu um monte de gente que, nem ele, veio para conhecer e nunca mais voltou depois de ver a aguaceira bela. Mesmo assim, não se dava por satisfeito: “ele me chama, Jussara, ele me chama. É de dia, é de noite. Toda a hora, ele tá me desafiando, parece que ele diz: veio de tão longe para trabalhar em terra! Rapaz tolo e covarde!”.
Passou o final de semana todinho tentando encontrar a solução, andou no calçadão, sentou na Orla e por lá ficou por muito tempo. Do outro lado, o tinhoso sorria que só: “Duvido, duvido, duvido”. E ele do lado de cá, queimando a cachola que só ele e nada de solução. Só lá pela hora do almoço de domingo é que veio o sopro divino: botou tabuleiro na cabeça, arranjou um facão e fatiou melancias: “Você não me leva, mas eu te levo! Essa danada tem tanta água que nem você, rapaz!”.
Desde aquele dia, é ele e a fruta na batalha contra o mar. Ele perde sempre, feliz – “Ô Jussara, diz para a tia parar com essa baboseira de fazer promessa! Eu já disse que não vou mergulhar! Se ela tá tão incomodada, ela que venha também. E vai que esse bendito me engole?”.
Escreve na carta que envia à mãe: “Olá , Dona Jussara. Como anda a vida? A minha vai bem, obrigado pelas preces. Agora sou carioca de verdade: ganhei camiseta de time. E, ainda por cima, autografada! Não te disse que isso um dia ia acontecer? Pois bem, agora pode contar para todo mundo.”
Na carteira de identidade, o sobrenome que afirma o país de berço; assim como muitos brasileiros, Silva. Para reafirmar, Pereira. Vive de vender melancia na praia. Todo dia acorda cedo, toma uma média e pega o ônibus em direção a Zona Sul. Chega na Praia de Copacabana por volta das nove da manhã.
Lá encontra os companheiros de repartição: a galera que aluga cadeiras de praia, o pessoal do vôlei, o homem que vive de recolher objetos do mar e o povo estranho que fala de um jeito mais estranho ainda.
No calçadão, o lado moderno da praia: quiosques tinindo de novos, com janela de vidro, banheiro químico e pia que jorra água em quantidades dosadas automaticamente. Coisa de primeiro mundo, rapaz! “Como esse povo come, mãe! Tem gente vendendo esfiha, abacaxi, camarão frito, empada... Você não faz idéia! Tem um cara lá em Ipanema que ficou famoso vendendo sacolé, veja só!”
Chegou na cidade carioca há cinco anos. Tinha o sonho desde menino, de ver o tal mar, grande e atrevido que só ele, como lhe contava o avô. Guardou os tostões durante um bom tempo com esse objetivo. Foram sete anos, três meses e dezessete dias. Veio sozinho, de ônibus. A mãe, que já era viúva, deu adeus enquanto chorava e acenava com um lencinho mais puído que a própria alma: “Não se esqueça de escrever!”.
Não sabia como ia sobreviver na cidade grande. De fome, já sabia que não morria. Não fez que nem um bando de gente, que guarda o dinheiro que sobra. Isso é luxo. Ele conhecia a necessidade. Usou foi o que era para comer: “que o seu prato esteja sempre cheio, Jussara, que eu me alimento é de sonho! E ainda não criaram prato que enche mais que esse”.
Foi chegar ao Rio e ter a mala roubada. Esperto, aprendeu que na cidade grande a lei da selva é ainda mais brava: o predador, sem oportunidades na terra dos arranha-céus, fareja a presa quando ela ainda está no meio do caminho. O moço na saída da rodoviária deu o conselho que ele nunca mais esqueceu: “Não dê uma de otário, meu irmão”.
Com o dinheiro que tinha no bolso seguiu para a praia. “Que se dane o resto que eu quero ver quem é maior e mais petulante: eu ou esse tal de mar”. Ganhou o mar, e de lavada. Se estranhou foi com a areia, clara e fina que grudava na roupa, no cabelo, na pele e no pensamento. Passou a manhã. Passou a tarde. E anoiteceu. Com os olhos ainda aguados de felicidade, pensou: “e agora, rapaz?”.
Dormiu na calçada de uma ruazinha mal-iluminada e fedida que só, escondido da PM, depois de ser expulso do calçadão - “circulando, circulando”. Uma moça, dessas que existem em todo o lugar, que tem fama de ter a vida fácil, é que deu a dica. O sol o despertou, com a força da realidade. Perdido de amor por aquele oceano todo, entendeu o quê o avô quis dizer com o atrevido: ninguém tem direito a toda aquela boniteza de graça, é o preço que a vida cobra.
Fez alguns bicos, carregou cargas, limpou chão de prédio de madame, conheceu um monte de gente que, nem ele, veio para conhecer e nunca mais voltou depois de ver a aguaceira bela. Mesmo assim, não se dava por satisfeito: “ele me chama, Jussara, ele me chama. É de dia, é de noite. Toda a hora, ele tá me desafiando, parece que ele diz: veio de tão longe para trabalhar em terra! Rapaz tolo e covarde!”.
Passou o final de semana todinho tentando encontrar a solução, andou no calçadão, sentou na Orla e por lá ficou por muito tempo. Do outro lado, o tinhoso sorria que só: “Duvido, duvido, duvido”. E ele do lado de cá, queimando a cachola que só ele e nada de solução. Só lá pela hora do almoço de domingo é que veio o sopro divino: botou tabuleiro na cabeça, arranjou um facão e fatiou melancias: “Você não me leva, mas eu te levo! Essa danada tem tanta água que nem você, rapaz!”.
Desde aquele dia, é ele e a fruta na batalha contra o mar. Ele perde sempre, feliz – “Ô Jussara, diz para a tia parar com essa baboseira de fazer promessa! Eu já disse que não vou mergulhar! Se ela tá tão incomodada, ela que venha também. E vai que esse bendito me engole?”.
2 comments:
Lu, este é, de fato, o prêmio. Mas, depois que recebemos o prêmio, ou que o identificamos, ficamos devendo alguma coisa a ele. Acabamos escravos do dom, ou do prêmio. Mas é uma escravidão doce... a certeza de que não nos desperdiçamos... em trabalhos que nos tiram os dias,a alma e os sonhos. Pessoa, Drummond, Kafka e tantos outros comiam por conta de um mísero trabalho burocrático e puderam viver e deixar-nos um legado maravilhoso mesmo que sustentado a pão e pão! Vai lá, prenda-se ao seu dom, escreve sim?
Como sempre, palavras de estímulo e de incentivo!
Muito obrigada pelo carinho de sempre.
Bjks,
Lu.
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