Eu acreditei na fada dos dentes. Colocava o dente embaixo do travesseiro, o deixava a noite inteira lá. No dia seguinte, ele sumia e em seu lugar aparecia uma moeda. Ás vezes de 10, outras de 5, algumas vezes de 1. Não importava se era molar ou canino. Só dependia do humor da fada.
Mas a fada um dia se encheu e, de repente, deixou de depositar as moedas.
Eu acreditei no duende com seu pote de ouro no final do arco-íris. Pior ainda, eu acreditei que eu conseguiria chegar ao pote de ouro. Esperava ansiosa pela chegada do verão. Com o verão, as chuvas de verão. E, com as chuvas de verão, os arcos-íris.
E lá ia eu, dentro do mar, nadando, procurando a porcaria do final do arco-íris. Mas, quem disse que eu achei a droga do final?
Encontrei foi uma onda maior do que eu. E ela me rodou, rodou e rodou. E na beira da praia é que eu acabei, acabei, acabei. Cadê o salva-vidas?
Desisti. E nunca mais nadei com tanta confiança.
Eu acreditei no Papai Noel. Fui boazinha durante um ano inteiro. Quer dizer, fui aquilo que os outros diziam que era ser boazinha. Comi quiabo achando gostoso. Não fiz mal-criação porque era feio. Usei vestido com babado e sapatinho branco de verniz em dia de sol porque era bonito.
Chegou o final do ano.
E eu não fiz uma cartinha. Fiz um dossiê.
Levei uns dois dias inteiros no mínimo para escrever tudo o que eu queria ganhar.
E eu pedi como presente tudo aquilo que eu conhecia na face da terra: Desde hamster (que era o bichinho da moda) até ao pogobol (que era, também, o brinquedo da moda). Menos boneca. Eu não gostava de boneca.
Chegou o Natal. E o Papai Noel também. Pelo menos na minha casa.
O safado chegou bem na hora que eu estava dormindo. Entrou pela porta da frente, tocando sininho. Cara barulhento! E eu na porta dos fundos. O malandro entrou correndo, deixou uns pacotes, e foi embora pelo elevador com a mesma velocidade com que chegou.
E eu, descendo no elevador dos fundos para encontrá-lo na portaria. Esqueci que ele andava de trenó. O perdi.
Voltei para casa.
Debaixo da árvore, alguns pacotes.
Um conjunto de bonecas da Barbie. Sacana.
Eu também acreditei no Coelhinho da Páscoa. Acreditei de verdade que ele era o único ser na face da terra que colocava ovos de chocolate. Mesmo que a professora e todo o resto do mundo dissesse que não.
Até criei a minha versão da história: o Coelhinho da Páscoa trabalhava numa das salas da fábrica do Papai Noel, produzindo seus ovinhos. Ele não precisava de tanto espaço assim. Os duendes o ajudavam. Faziam os brinquedos que viam dentro de brinde. Na manhã do domingo de Páscoa, ele pegava o trenó emprestado. E deixava os ovinhos nas casas das pessoas.
Eu ganhei uma caixa de bombons. Acho que não deu tempo de fazer tanto brinquedo.
Cresci.
Comecei a ver que por trás de tudo em que eu acreditava, existia uma recompensa. Material.
A fada dos dentes pagava, Papai Noel presenteava, o Coelhinho dava chocolate.
As minhas boas ações foram, indiretamente, então, meu primeiro emprego.
E, estranhamente, como que num passe de mágica, eu deixei de acreditar.
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