Tuesday, April 18, 2006

MALANDRO

Malandro desce a rua, pega a curva e já sabe seu destino. Não é bobo, confere o bolso e ainda está lá: a navalha afiada a postos para qualquer imprevisto. Não lembra muito da noite passada. Não lembra de onde surgiu o corte em seu rosto.
Malandro segue seu caminho. A Lapa amanhece. Os arcos pela manhã em nada lembram o seu habitat. Homens de gravata, mulheres com suas pastas em punho. Ônibus, vans, táxis. Bancos, prédios comerciais, sedes administrativas. Sirene, buzina e o camelódromo. Todos gritam nos ouvidos do malandro. Todos pioram sua ressaca. Cada vez mais confuso, ele procura seu abrigo. Quem mandou ficar acordado até aquela hora? Esse não é seu tempo. Esse não é seu lugar.
Ele atravessa a Avenida. Procura o boteco mais escondido, o pé-sujo mais autêntico onde possa tomar um café. Busca por um conselheiro. Sente falta do português atrás do balcão. Todos os bares fechados. Só lhe resta a padaria. Ele não gosta da sua comida. Limpinha demais. Seu organismo a rejeita. Ele desiste e segue pela esquerda.
Atravessa uma, duas, três, quatro pistas. Já nem sabe mais onde vai. Sente falta da morena. Ela tem balanço e graça. Bem diferente dessas que vê pela cidade, acrobatas do salto-alto. Onde é que está aquela safada?
Desiludido, cansa do centro. Refaz todo o percurso. Novamente, a Lapa mascarada. Rua da Lapa, Joaquim Silva, Mem de Sá, Lavradio. Após isso, só ele conhece o endereço. Ele e o senhorio que não recebe tostão algum pelo aluguel faz um bom tempo. Bota a mão no bolso. Não é possível que tenha esquecido! Ah! Aqui está! “Seu Doca, olhe o que comprei para o Senhor: um relógio! Estou te tornando um homem elegante. Daqui a pouco, já poderemos até sair juntos!” Ele sorri. Seu sorriso preenche a sala com felicidade. Seu Doca ri: “ Garoto, você não tem jeito mesmo! Vá logo dormir.”
Ele sobe as escadas. Abre a porta. Deita na cama. O que diabos aconteceu na noite passada? Pensando nisso, pega no sono. Só acorda no final da tarde. Recomposto, olha no espelho: “Aí está você!” Toma um banho rápido. Se perfuma e se veste. Desce as escadas. Seu Doca não está mais lá. O velho ranzinza deve ter ido implicar com uma pobre alma qualquer. Com ele não. Eles são uma família.
Segue a Lapa que é sua. O barulho dos copos, a garrafa sendo aberta, a música que começa tímida. Ele a incentiva e assobia. Dá um jeito de arranjar o sustento da noite. Não é por maldade, é por necessidade. E é tão pouco! Tem gente que faz bem pior.
Á noite, ali está sua casa. Ele ri e samba. Malandro entende que para os arcos virem sua primavera é necessário que antes ocorra a manhã. Mas ele é que nem é mais bobo de circular por ela, é muito perigosa! Nela, nem ele tem segurança.

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